Os povos originários se organizam para mais uma vez cobrarem a demarcação de terras indígenas no país. O assunto será o tema principal do Acampamento Terra Livre (ATL), entre 18 e 24 de abril, em Brasília. Além dos prejuízos amplamente divulgados pela inação governamental nas demarcações, um flagelo, ainda invisibilizado dos conflitos, é a violência contra as mulheres indígenas. Em 2021, 176 indígenas foram mortos, com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) de cada estado. Desses, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), 55 eram mulheres.
“Se querem desestabilizar uma liderança ativa é só ir na família deles. A mulher é o nosso pilar. Então, um dos instrumentos de ataque nas questões da demarcação é ir direto nas mulheres. Em alguns casos são jovens, adolescentes e muito novas”, revela Dinaman Tuxá, coordenador executivo da região Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Destaque negativo, o Mato Grosso do Sul figurou como um dos estados mais violentos, depois de Roraima e Amazonas. Foram 34 casos de violência registrados na unidade federativa do Centro-Oeste, de acordo com o relatório feito pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 2020.
Os ataques direcionados ao gênero continuam. Na semana passada, o corpo de uma mulher indígena de 43 anos foi encontrado, com sinais de estupro, em um matagal de uma aldeia do município sul-mato grossense de Amambai. O território, denomimado Guapoy, onde vivem cerca de oito mil indígenas, é conhecido pelos conflitos de terra. Com a demarcação feita nos anos 60, fazendeiros perderam hectares para a reserva indígena, o que levou ao conflito de interesses por se tratar de espaço fértil para a produção agrícola.
Indígena fulni-ô, Pagu Rodrigues, que é coordenadora-geral de Prevenção a Violência Contra a Mulher do Ministério das Mulheres, explica que a violência direcionada às mulheres nesses casos é histórica e acontece tanto com as indígenas que vivem nas aldeias, quanto com aquelas que estão em contexto urbano ou próximo das cidades.
“No âmbito histórico, o processo de pilhagem de terras indígenas tem um marco legal que institui essa cultura de estupro. Historicamente existem marcos legais que falavam como a colônia deve proceder sobre os corpos das mulheres indígenas. Quando se olha para os processos de hoje, observa-se que o comportamento se repete sobre a tomada de corpos das mulheres”, contextualiza. No entanto, a violência deliberada a esse grupo, que, como destaca a especialista, ainda é usado como moeda de troca para as negociações com os fazendeiros, vai de encontro à bandeira levantada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Pagu diz receber denúncias sobre mulheres indígenas que são sequestradas para obrigar a comunidade a sair da terra, e que em alguns casos ocorre também o estupro. Outra situação comum, segundo ela, é a prática, em garimpo, da troca sexual por alimentos, como foi divulgado no caso dos ianomâmis. A coordenadora da secretaria especial confirma que um dos mecanismos para frear os constantes relatos de violência contra as mulheres indígenas está na demarcação. “Isso garante primeiro uma segurança mínima, que passa concretamente a uma jurisdição federal, desde a política de segurança a uma autonomia que as comunidades passam a ter sobre o território.”
Sem demarcação, esse braço da pasta das Mulheres quer levar as políticas públicas de combate à violência contra as mulheres para dentro das comunidades. Pagu pontua que ainda há desinformação e distanciamento dessa parcela social dos serviços especializados. “As ações precisam ser trabalhadas conjuntamente em todos os territórios”, ressalta.