Marca indistinta do movimento indígena, muito embora nem sempre com o reconhecimento devido, a atuação política das mulheres indígenas foi e é decisiva na vida e na luta de vários povos, bem como na conquista dos seus direitos.
Assim como em outros contextos eivados de desigualdades, de supressão e violações, às mulheres indígenas no Brasil enfrentam as mazelas de um regime patriarcal fortemente atrelado à exploração e esbulho dos seus territórios. Muito por isso, além de toda luta que enfrentam na defesa dos direitos de seus povos, elas precisam de um tipo de organização e mobilização próprio, que coloque em pauta as particularidades da sua condição de indígena mulher.
Atenta a essa política de resistência tão específica de mulheres indígenas cujos territórios estão localizados no nordeste do Brasil, a Anaí sempre deu atenção ao trabalho e aos desafios enfrentados por mulheres, que logo no início da mobilização por terra e reconhecimento de seus povos se projetaram como suas representantes frente ao Estado e a sociedade em geral. Por outro lado, também não escapou à atuação da Anaí a incidência sobre as realidades cotidianas enfrentadas pelas mulheres no chão das aldeias, as distintas violências, o cuidado com as roças, com as crianças, a manipulação com as ervas, o conhecimento sobre a mata que a cada dia parecia desaparecer com a presença dos invasores, a luta por escola e saúde diferenciadas.
Assim, A Anaí tem acompanhado e colaborado com a projeção política das mulheres indígenas através de matérias em seus boletins, notadamente nas décadas de 1980 e 1990; promoveu uma série de cursos e capacitações com temáticas de interesse das mulheres; em 2007, participou da Assembleia de criação do Departamento de Mulheres da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – Apoinme; e vem sempre desenvolvendo projetos específicos que, a seu tempo, correspondem aos anseios do período. Vamos destacar três dessas iniciativas que seguiram processualmente promovendo impactos.
Entre os anos de 2001 e 2002, desenvolvemos em parceria com a Coordenação Nacional de DST/Aids, à época uma coordenação do Ministério da Saúde, o projeto “DST/Aids entre Mulheres Indígenas do norte e sul da Bahia”. O objetivo do projeto foi determinar o perfil de ocorrência das IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis) e da Aids entre as mulheres indígenas de aldeias localizadas nas regiões norte e sul da Bahia e orientá-las quanto à adoção de ações adequadas de prevenção. As aldeias que participaram do projeto foram escolhidas principalmente em função da proximidade com áreas urbanas, da vulnerabilidade da situação fundiária e da ausência de programas assistenciais. Assim, foi realizado um diagnóstico sobre a situação social e reprodutiva de mulheres entre 14 e 45 anos dos povos Tuxá, Tumbalalá, Kaimbé, Kiriri, Pankararé, Tupinambá, Pataxó e Pataxó Hãhãhãi. Ao todo 647 mulheres foram envolvidas e beneficiadas com a ação.
Mais recentemente a Anaí desenvolveu, de 2018 a 2022, com apoio do Fundo Malala, o projeto “Cunhataí-Ikhã – Meninas na Luta”, cujo objetivo foi a formação de meninas e jovens indígenas entre 14 e 25 anos. Em quatro anos de desenvolvimento, as meninas e jovens participantes tiveram formação em temas como direitos humanos, direito indígena e indigenista; questões de gênero, condição feminina e saúde da mulher indígena; educação escolar indígena; mídias e ativismo digital; tendo sempre como formadoras mulheres indígenas especialistas em cada tema. Foram também diretamente acompanhadas pela equipe técnica do projeto em vários assuntos das suas trajetórias pessoais. Além disso, o projeto propiciou a participação das meninas e promoveu suas atividades em mobilizações do próprio movimento indígena, como as I e II Marchas Nacional das Mulheres Indígenas e os Acampamentos Terra Livre nacionais e estaduais, entendendo que a formação política das meninas e jovens passa diretamente por sua participação no movimento indígena. Além de outras ações de incidência nacional e internacional com participação das “Cunhataí”, o projeto produziu um importante diagnóstico “Educação Escolar indígena na Bahia na Perspectiva do Projeto Cunhataí Ikhã – 2018-2021”, com ênfase em questões de gênero e a partir das percepções e reflexões das próprias participantes. Ao todo o projeto beneficiou diretamente 47 meninas e jovens.
Atenta a necessidade de continuidade na formação das mulheres indígenas, desde 2021 a Anaí desenvolve o projeto “Curso Pré-Universitário Jenipapo Urucum”, numa parceria com a L’oréal para o Futuro. O curso é destinado a mulheres indígenas de todos os povos e lugares do Brasil que desejam ingressar em um curso superior, ou, conforme dito em sua divulgação, “para as mulheres indígenas que desejam demarcar as universidades”. O curso é realizado em modo remoto, com aulas diárias no período da noite, para duas turmas: a “Jenipapo” e a “Urucum”. Além de contar com um qualificado corpo docente, parceria com o Pré Enem Quilombola da organização Quilombo Educacional, o “Jenipapo Urucum” conta com monitoras universitárias indígenas que fazem o acompanhamento semanal das estudantes. O projeto, pioneiro, tem possibilitado trocas vívidas entre mulheres indígenas de realidades distintas, além de mantê-las conectadas a conteúdos e atualizações do Enem e do Sisu. O projeto atendeu 180 mulheres entre 2021 e 2022 e tem previsão de atender mais 120 em 2023.
Acompanhe as dinâmicas envolvendo as mulheres indígenas através do site e das redes sociais da Anaí